Apostas esportivas: chegou a hora do Brasil apostar na sua regulamentação?, por Thiago Valiati e Scarlett dos Santos

Apostas esportivas têm movimentado muito dinheiro. Segundo o Relatório “Convocados” elaborado pela XP Investimentos, o mercado tem potencial para movimentar mais de R$ 25 bilhões no Brasil. Além disso, o país lidera o ranking de tráfego de sites de apostas. Estudo SimilarWeb revela que a disparada veio logo antes da Copa do Mundo de 2022.[1] É inegável, portanto, que elas têm se tornado cada vez mais populares entre os brasileiros.

Em 2018, foi editada a Lei 13.756, que legalizou as apostas de quota-fixa (AEQF) no Brasil. Apesar da lei ter determinado a regulamentação da lei pelo prazo de dois anos (prorrogável por até igual período), pouco se fez até o momento. Assim, embora estas movimentações financeiras alcancem patamares bilionários, todo este montante não ingressa, de fato, no país.

As empresas são constituídas fora do país (tendo aspectos como tributação e sede operacional realizados todo no exterior) e compram licenças em países em que permitem apostas, como Malta, Chipre e Gibraltar. Assim, é por meio de um site hospedado fora do Brasil, que elas ingressam no mercado nacional e arrecadam bilhões com os apostadores por aqui.

Com isso, o maior prejuízo da falta de regulamentação da Lei 13.756/2018, recai sobre a própria sociedade brasileira, já que o produto da arrecadação da exploração das apostas esportivas deveria ser destinado à seguridade social, à cultura, à manutenção da segurança pública e ao esporte – a teor dos artigos 14 e 15 da referida lei. As empresas estrangeiras beneficiam-se do potencial do mercado brasileiro e do boom recente das apostas, mas o dinheiro não é revertido em melhorias para a sociedade.

Em paralelo, notícias sobre manipulação de resultados são a pauta do dia. O Ministério Público de Goiás deflagrou recentemente a Operação Penalidade Máxima, marco no combate à manipulação e ao esquema de apostas no futebol brasileiro. A Polícia Federal também deve começar a promover investigações específicas, tudo para garantir a segurança e transparência nos resultados.[2] Além disso, uma CPI foi instaurada na Câmara dos Deputados para investigar a manipulação de resultados de partidas de futebol.

Assim, tendo em vista o crescimento do volume de apostas no país e a deflagração de operações que visam investigar manipulação de resultados, o contexto da falta de regulamentação deve se alterar em breve.

Em um primeiro momento, o assessor especial do secretário-executivo do Ministério da Fazenda, José Manssur, relatou, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, que a regulamentação seria realizada por meio de uma medida provisória editada pelo governo federal, prevendo a cobrança de tributos e estabelecendo regras para a operação das casas de apostas no Brasil.

As diretrizes desta possível MP foram apresentadas na Câmara no começo de abril. Entre as previsões estaria a exigência de capital mínimo dos operadores, que também pagariam por outorgas para atuar no mercado. As empresas deveriam manter domicílio fiscal no Brasil, além de alocar no país parte de sua estrutura.[3] No entanto, esta primeira ideia não foi para frente.

Agora, o Ministério da Fazenda, após conversas com o Congresso, possui a intenção de enviar um projeto de lei com urgência constitucional sobre o tema. Manssur novamente destaca a necessidade de aprovar regras para nortear o mercado das apostas. O intuito é fiscalizar o volume de apostas e arrecadação com o uso de ferramentas de ponta.[4]

A mudança de estratégia do governo tem implicações relevantes: enquanto o texto de uma MP possui aplicação imediata, um projeto de lei com urgência constitucional trancará a pauta de votação do Congresso após 45 dias e terá sua tramitação iniciada pela Câmara. O governo entende que essa mudança permitirá um debate mais profundo sobre o tema no Congresso e a possibilidade de contribuições dos parlamentares.

Segundo o texto da eventual MP, os sites de apostas serão tributados em 16% sobre o Gross Gaming Revenue (GGR), isto é, sobre a receita obtida com as apostas realizadas, descontando os prêmios pagos aos apostadores. Ademais, um imposto de 30% será aplicado sobre o prêmio recebido (com uma isenção de R$ 2.112). Ademais, apenas sites devidamente habilitados poderão receber apostas relacionadas a eventos esportivos oficiais; empresas não habilitadas estarão proibidas de realizar publicidade e incorrerão em práticas ilegais.

Paralelamente, os estados começaram a se movimentar e criar suas próprias loterias. Até 2020, as loterias consistiam em um serviço público exclusivo da União – o que mudou diante do entendimento firmado pelo STF de que a exclusividade é inconstitucional, abrindo a possibilidade para a criação de loterias e a exploração de apostas pelos próprios estados.[5] Ao julgar as ADPFs 492 e 493, o STF declarou que os arts. 1º e 32, caput e §1º do Decreto-Lei 204/1967, que tratam da exclusividade da União para explorar loterias, não foram recepcionados pela CF/88.[6]

Assim, as loterias passaram a configurar, também, uma opção de fonte de receitas para os Estados que poderão ser aplicadas na forma de melhoria dos serviços públicos e direcionamento dos recursos para assuntos sociais.

No âmbito do Paraná, por exemplo, foi editada a Lei 20.945/2021, que institui o serviço público de loteria estadual. Conforme o texto da lei, o serviço é destinado a gerar recursos para financiar atividades socialmente relevantes. Além do pagamento dos prêmios, parte da arrecadação será destinada para programas sociais e desenvolvimento de ações relacionadas à segurança pública e habitação popular.

Além disso, a lei estadual criou a Loteria do Estado do Paraná (Lotepar), a quem compete a exploração, administração e fiscalização do serviço. Com isso, a Lotepar pode executar diretamente ou delegar, mediante permissão ou concessão as atividades de loterias e apostas. Será exigido dos concessionários, por exemplo, certificação da adoção de práticas dedicadas ao fomento do jogo responsável e à proteção de vulneráveis.

Nesse cenário, com base na lei estadual, no fim do mês de maio foi publicado, pelo Estado do Paraná, edital para exploração da modalidade lotérica de AEQF (Edital de Credenciamento 001/2023 – Lotepar). De acordo com o edital, é permitida a participação de empresas e consórcios que cumpram os requisitos técnicos mínimos estabelecidos. É exigido que as empresas possuam capital social integralizado ou patrimônio líquido igual ou superior a R$ 2 milhões e paguem uma outorga fixa no valor de R$ 5 milhões – o que, segundo o próprio governo paranaense, “inibe aventureiros“.[7]

O sistema lotérico a ser implantado ainda em 2023 no Paraná possibilitará, portanto, o credenciamento de empresas que já atuam no setor e, agora, poderão explorar essa modalidade de forma organizada pelo estado. A concessão, via credenciamento de múltiplos concessionários em livre concorrência, será por um período de cinco anos, prorrogáveis por igual período.[8]

Além do Paraná, outros estados já publicaram leis e editais para exploração de apostas esportivas enquanto a regulamentação da lei federal não vem. Os serviços federal e estadual, portanto, vigerão de forma concomitante e em regime concorrencial entre si, já que o serviço não é exclusivo da União.

A regulamentação da Lei 13.756/2018 é benéfica para a sociedade, já que, além de trazer segurança para a operação das próprias casas de apostas, privilegia a integridade e o fomento do jogo responsável, por meio de um controle maior sobre movimentações de grande vulto. Além disso, faz com que o montante seja revertido em prol da própria sociedade, como cultura e educação. A regulamentação da lei federal – que irá, sem dúvidas, nortear também a exploração das apostas também em âmbito estadual – e o sistemas de exploração via editais de credenciamento permitem esse maior controle estatal sobre esta relevante atividade.

Enfim, chegou a hora do Estado brasileiro também fazer a sua aposta. A “odd” está valendo muito a pena: seja pelo retorno que pode trazer para a sociedade brasileira, seja por um maior controle e segurança em relação à elevada movimentação financeira, mitigando o risco de manipulação de resultados. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos e o “pay out” que todos temos a receber com a regulamentação desta relevante atividade.


[1] Com 113,9 milhões, o Brasil lidera sobre o segundo maior país em apostas esportivas, os Estados Unidos (77,9 milhões) por uma ampla margem. Dados extraídos de: Brasil lidera o ranking mundial de tráfego de sites de apostas esportivas. Portal Gamebras: Games Magazine Brasil, 14 de novembro de 2022. Disponível em: https://www.gamesbras.com/apostas-online/2022/11/14/brasil-lidera-ranking-mundial-de-trafego-de-sites-de-apostas-esportivas-33885.html Acesso em: 24 jun. 2023

[2] Penalidade Máxima: Entenda investigação sobre esquema de apostas. Portal Globo Esportes, 11 de maio de 2023. Disponível em: <https://ge.globo.com/futebol/noticia/2023/05/11/penalidade-maxima-entenda-investigacao-sobre-esquema-de-apostas.ghtmll> Acesso em: 24 jun. 2023.

[3] Governo apresenta “MP das esportas esportivas” que irá regular o setor. Portal Uol Esportes, 11 de maio de 2023. Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/colunas/lei-em-campo/2023/05/11/governo-apresenta-mp-das-apostas-esportivas-que-ira-regular-o-setor.htm > Acesso em: 24 jun. 2023.

[4] “Apostas Esportivas: Regulamentação dos palpites online vai proteger a população e a integridade do esporte”. Ministério da Fazenda. Portal GOV.BR, 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/junho/regulamentacao-dos-palpites-on-line-vai-proteger-a-populacao-e-a-integridade-do-esporte>. Acesso em 20 jun. 2023.

[5] “Loteria é prestação de serviço público e pode ser explorada pelos estados”. Supremo Tribunal Federal. 30 set. 2020. Disponível em: < https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=452666&ori=1>. Acesso em 20 jun. 2023.

[6]STF – ADI: 4986 MT 9989395-76.2013.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 30/09/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 15/12/2020.

[7] LOTTOPAR publica Edital de Credenciamento de Apostas. Portal AEN PR. 19 de mai. 2023. Disponível em: https://www.aen.pr.gov.br/Noticia/Lottopar-publica-edital-de-credenciamento-de-operadores-de-apostas. Acesso em 19 jun. 2023.

[8] Também se encontra aberto, desde abril, o Edital de Credenciamento nº 01/2023, no Estado do Rio de Janeiro. Assim como no Paraná, também é de R$ 5 milhões, sendo a concessão igualmente pelo período de cinco anos. O objetivo é conceder a atividade a múltiplos operadores, garantindo amplo mercado concorrencial tanto para os players que se habilitarem quanto para o Estado. Algumas empresas, inclusive, já foram habilitadas – como a Pixbet, reconhecida pelo apoio a mais de 15 marcas e clubes do país.

Abrir WhatsApp
Precisa de ajuda?
Olá 👋, como podemos ajudar?